Sou eu, de novo. Foi
mal, precisei sumir um tempo. Você me pegou de surpresa e eu tinha
de pensar. Por isso não atendia telefone, campainha, carteiro e tudo
isso. Mas aposto que você nem chorou. Não como eu chorei. Você nem
é disso. Então, dei esse tempo pra mim. Pra nós, principalmente. E
resolvi aceitar sua proposta, se tiver de pé. E aí, você quer
mesmo morar comigo? Se não mudou de ideia, estou pronta.
Falei com minha mãe.
Ela disse que não era bem assim, que eu ia me arrepender, que tudo
tem seu tempo. Mas bati o pé. Disse que estava decidida. Tudo no seu
tempo, mas do meu jeito. Viu como é quando quero uma coisa? Vai se
acostumando. A coisa está um inferno por aqui. A velha achou mais um
nódulo e vai fazer uns exames na terça-feira. Deve ser benigno
outra vez, mas ela quer porque quer ter um câncer. Na boa, não deve
ser o sonho de toda mãe, mas certamente é o da minha. Essa será a
sua sogra, o que você acha? Dá tempo ainda de mudar de ideia, só
me avisa.
Senti sua ausência.
Quero dizer, minha ausência. Mas foi bom. Se ficar longe foi essa
tortura, ficar tão perto não deve ser tão ruim assim. Mas ainda
não penso que seja amor, não me convenci disso. É melhor. Sei lá,
a palavra “amor” me remete a uma casa, um homem e uma mulher,
cachorros, contas a pagar, planos de morar num lugar maior. Não dá
pra ser amor entre duas crianças grandes num apartamente de um
quarto só, dá? Tem muito mais entre a gente, essa incógnita de
dois que sabem que não foram feitos pra durar. Você não quer saber
nada do meu passado, eu quero saber do seu, mas você quase não abre
a boca, e só diz o que interessa. Mas tudo bem, de verdade. Ou bom
ou pra sempre. As duas coisas são incompativeis.
Minha mãe disse que
não ia dar certo. E eu nem falei nada. Contei apenas que ia morar
com alguém, pra dividir as despesas, essa coisa de
preciso-do-meu-espaço, de ser independente e blá-blá-blá. Mas a
coroa sacou na hora. Ela sabe que sou individualista, que gosto de
comida na hora, que me nego a pagar a luz. Era meio óbvio que a
força motriz só podia ser algo maior, não é? Mas deixei ela
pensando o que quisesse, como ela faz com os abcessos achando que é
algum tipo letal de sarcoma. As brigas podem esperar, não é? Diz
alguma coisa.
Voltei a ir na minha
analista. Eu sei que você a odeia, diz que ela quase destruiu a
gente uma vez, mas para de ladainha, poxa. Ela me ajudou. Sério!
Esse negócio de deixar minha mãe pra trás. Racionalizei a minha
culpa e percebi que estava sendo idiota. O que separa o passado
inaceitável do recomeço inevitável é o periodo em que você para
de negar e se permite sentir raiva. Muita raiva. Não foi bem isso
que ela falou, mas foi o que entendi. Ou quis entender. Eu queria
morar contigo e pronto. Tem lugar para os meus sapatos? Talvez aquela
ideia de pendurar tudo num saco pra fora da janela não seja tão
estupida. Brincadeirinha. Aposto três meses de aluguel adiantado que
você consegue lugar pra mim dando um jeito naquele seu roupeiro.
Você pode doar algumas camisetas, as mais desbotadas, ou seja, quase
todas. Agora me dei conta do que falei, então não pensa que já
estou tentando te mudar, ok?
Acho que semana que vem
estou pintando ai. Estou com vontade da tua boca. Só me sinto segura
perto dela, assim eu sei que ela não está fazendo bobagem por ai.
Fez frio esses dias. Você não acha? E olha que já é novembro. Mas
pra você tanto faz, nunca vi tão calorento. Seja julho ou
fevereiro, você sempre acorda empapado. Anda com algum sonho ruim? É
comigo? Se for, não me conta, não quero saber. Dormindo contigo, eu
nunca me sinto gelada, pelo menos, adoro acordar de manhã com a
lombar cheia do seu suor. Aliás, precisamos ver umas cortinas para o
seu quarto. Opa, nosso quarto. Ainda não me acostumei. Vai levar um
tempo. Tomara, porque se a gente começar a se sentir casado, vamos
estragar tudo. Também pensa assim? Estou contando os dias. Quero
sentir o cheiro da sua cama bagunçada de novo. E assistir você
caminhar nu até o banheiro. Sua bunda é fofa.
Não vamos ter filhos.
Nunca. Tudo bem pra você? Se bem que nunca é uma palavra que não
funciona comigo. Nunca. Eu disse que nunca ia morar contigo. Que
nunca mais queria te ver. Gritei uma vez pra você nunca mais tocar
em mim, lembra? Mas é que você faz isso tão bem. É como se o meu
corpo fosse teu. Um brinquedo que você monta e desmonta, vai mexendo
nos parafusinhos, fuçando peça por peça, sem nem precisar ler o
manual.
Sei lá, não me
pergunte como consegui dar essa desaparecida. Quando estava de pé
queria ficar sentada, quando me sentava precisava levantar. É como
dirigir à noite numa rua deserta e toda esburacada. Uma agonia
doida. Um vazio. Uma vontade de sair da própria pele e telefonar, só
pra te ouvir falando suas monossílabas pra dentro. Talvez resistisse
mais, assinando uma tevê com mais canais ou engordando a geladeira.
Mas eu só deitava e esperava. Se eu resolver outra vez ficar longe,
pelo menos espero que me dê um bom motivo. Faz isso por mim? Digo,
se for pra dar errado, você pode me fazer o favor de ferrar com tudo
de uma vez?
Me sinto ridícula
escrevendo essa carta. Eu saí tanto de mim pra entrar na tua que até
me sinto uma estranha dentro de mim mesma. E eu sempre tive medo de
estranhos. Entende? Você está aí ainda? Você também deve estar
achando patético ler isso. Te conheço. Eu não sei se você também
não sabe o que mesmo estamos tanto esperando para nos encontrar.
- Gabito Nunes.
Então meninas, o que acharam do texto? Comentem o que acharam e deem dicas para os próximos!
Beijinhos.
O texto é de Gabito Nunes? Achei bem legal, muito intimista; eu não ficaria à vontade com tanta exposição. Admiro quem consiga. Monique, a propósito, por acaso, já passou por alguma situação financeira delicada na vida? O http://jefhcardoso.blogspot.com anseia por um comentário de sua parte. Abraço!
ResponderExcluirNossa, que texto lindo!! Amei demais mesmo!! *o*
ResponderExcluirBeijinhos
Am
http://www.vinteepoucos.com.br/
texto ótimo. adorei =]
ResponderExcluirBeijos
Nathália - Fashion Jacket
Adorei o texto. Acho que morar junto requer uma porção de coisas além de amor.
ResponderExcluirhttp://cindereladementira.blogspot.com.br/
https://www.facebook.com/CinderelaDeMentira
Adorei o texto,
ResponderExcluiré muito legal, principalmente o jeito que é escrito!
Beijão
Agenda Fashion
Caramba, que texto gigante hahah lindo, amei :)
ResponderExcluirwww.blogmundodamoda.com/
Obrigada ♥.♥
ResponderExcluirAmei o texto e seu blog também *-* <3
http://www.leferblog.com
Esse texto é a minha cara, tenho pânico dessas coisas de morar com outra pessoa me amarrar para o resto da vida, amei o texto *-*
ResponderExcluirhttp://portrasdorimel.blogspot.com.br/